É tempo de celebrar. Entre caretos, senhorinhas, marafonas e diabos, o País e o mundo fazem-se ao Entrudo. Nesta festa comunitária vamos de Lazarim até Podence, que detém o título de Património da Humanidade, e paramos em Vila Boa de Ousilhão. Durante quatro dias, entre 1 e 4 de março, nestas aldeias repetem-se gritos, saltos e chocalhadas, num ritual antigo e mordaz. Assim é a folia rustica de Trás-os-Montes e Alto Douro.
Seguimos até à vila serrana de Lazarim, nas imediações de Lamego, para ver o trabalho minucioso de artesãos locais. Todos os anos, as figuras grotescas com chifres afiados, orelhas bicudas e pequenas barbichas, feitas de madeira, talhadas à mão e despidas de cor, saem à rua. Vestem fatos feitos de materiais da terra, tais como palha, barbas de milho, ramos ou trapos, acrescentando adereços igualmente campestres. A aldeia enche-se de atividades com encontro de artesãos (sáb, 15h), desfile (dom, 15h) e raid fotográfico (seg, 9h).
A festa grande ocorre na tarde de Terça-feira gorda (15h), com a aldeia a “transbordar” pelas costuras. Há senhorinhas, de traje feminino, a desfilar e caretos a correr, soltando berros, misturando-se com a multidão e ensaiando poses para os fotógrafos.
Entre risos e sustos, o cortejo segue ao som de bombos até à “batalha dos testamentos”, associada à rivalidade entre sexos, que envolve as raparigas solteiras (comadres) e os rapazes (compadres). Escrita em segredo, a lengalenga, em tom satírico, de uns e de outros, não poupa nas críticas. A despedida faz-se à mesa, no final da tarde, com oferta às visitas de caldo de farinha e feijoada, pão regional e vinho tinto.
Mural do Papa Francisco
Na verdade, as máscaras não variam por aí além de um ano para o outro, as tropelias andam também em redor do mesmo. Mas o lugar, o ambiente e a participação fazem toda a diferença em Podence, que viu o Entrudo ser reconhecido pela UNESCO como Património Imaterial da Humanidade, em 2019.
Nesta aldeia, junto a Macedo de Cavaleiros, os caretos vestem fatos de lã com franjas amarelas, vermelhas e verdes, cobrem o rosto com a máscara de latão ou de couro, de nariz pontiagudo e com uma cruz pintada na testa.
O traje é rematado por capuzes dos quais pendem longas caudas, em lã e cores garridas, a lembrar arlequins, com campainhas traçadas sobre o peito e pesados chocalhos à cintura. Sem coreografia ou pose, os caretos percorrem a descida que liga o adro da igreja à entrada de Podence, durante horas, para cima e para baixo, à procura de “vítimas” femininas desprevenidas.
O Carnaval “mais genuíno de Portugal”, lê-se no cartaz, que decorre entre este sábado, 1, e a próxima terça-feira, 4, vai inaugurar no centro da aldeia um mural dedicado ao Papa Francisco, pintado por Ricardo Dobrões (aka Trip Dtos), autor de street art, ou melhor rural art, como ele defende.
“É preciso manter a matriz da festa, não há muito a inventar.” Para António Carneiro, da Associação Grupo dos Caretos de Podence, a aldeia, de 200 habitantes, está pronta para a avalanche, que, este ano, “deve ultrapassar as 50 mil pessoas. Cada vez vem mais gente. Não só portugueses como estrangeiros, desde espanhóis, franceses e americanos.” Improvisadas em adegas típicas conte-se com 30 tabernas, além de um mercadinho tradicional.
A par das vestes, a garra transmontana vê-se no longo programa com os habituais desfiles, à tarde e à noite, de caretos, facanitos (crianças) e marafonas, bem como em caminhadas, passeios de barco na Albufeira do Azibo, oficinas de pintura de máscaras e exposições.
Os “máscaras” de inverno
Bem mais tranquilo, espera-se, o folguedo das festas do Entrudo na aldeia de Vila Boa de Ousilhão, concelho de Vinhais, animado pelos caretos, ou melhor “máscaras”, como preferem ser conhecidos. Usam fatos costurados pelas mulheres da terra, a partir de colchas de lã de cores garridas, com franjas nas extremidades e capuz.
As máscaras demoníacas, pintadas de preto ou vermelho, com chifres ou barbichas confere-lhes um ar assustador. A tiracolo, ou às costas, levam os chocalhos. Lançam farinha, água, e, por vezes, cinza, e “intimidam” mulheres e moças, com energia e sem pudor.
Com uma atitude irreverente e excessiva, mas espontânea, as criaturas diabólicas fazem a ronda pela aldeia, acompanhadas por um grupo de gaiteiros. Praticam todo o tipo tropelias, entram nas casas e adegas, e “roubam” diversos objetos para amontoar no centro, onde mais tarde acendem a fogueira.
A tradição ancestral do Entrudo, que marca o recomeço de um novo ciclo, tanto na agricultura como na vida das pessoas, repete-se esta terça, 4 de março. “É uma festa genuína, para os filhos da terra, um dia de folia, de brincadeira, sem nada organizado”, conta-nos o artesão Tozé Vale. Todos são bem-vindos: os da casa, os ex-moradores, os imigrantes e os curiosos de fora. “Começam a aparecer no início da tarde, e, depois é aguentar o vinho”, que “alegra a gente.”
A farra, que tem o álcool por combustível, é contagiante. Junto à fogueira de dimensões dantescas, bailam, gritam e chocalham até ao limite das forças. “Ninguém fica de fora. Até as mais velhas gostam de ser chocalhadas. É o regresso à meninice.” O dia termina no jantar comunitário, festim para o qual todos são convidados. Ano após ano, a celebração do Entrudo “mantém-se espontânea”, nota o artesão.
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